Ao persistirem os sintomas, reveja os seus conceitos
Para os religiosos, ela nos faz ultrapassar os limites das nossas verdadeiras
necessidades, uma ganância sem fim.
Do ponto de vista psicanalítico, a relação do sujeito e o dinheiro sempre
foi associado à fase anal, que é a segunda fase pré-genital da sexualidade
infantil (situada entre 2 e 4 anos, aproximadamente).
É quando a criança aprende o controle de esfíncteres, ela experimenta esse
jogo de controle: reter e expulsar. Psicanalistas atribuem a avareza, a
exagerada preocupação com limpeza e a meticulosidade no adulto às
frustrações ocorridas nessa fase.
São personalidades com fixação na fase anal.
Para entender melhor esse “pecado”, é preciso saber que ele não está apenas
na ganância pelo dinheiro e pelo poder.
“Nossa avareza também está na comida, no sexo, nas drogas e no álcool”,
escreveu a psicanalista norte americana, Sue Grand, em seu livro The
reproduction of evil: A clinical and cultural perspective (A reprodução do mal:
Uma perspectiva clínica e cultural) publicado em 2000 pela editora norteamericana
RBP.
A psicóloga clínica Adriana Castro afirma que o significado geral da avareza
é a retenção.
O desejo do avarento está em possuir e acumular. “A primeira imagem que me
vem é de uma pessoa ranzinza, de mal com a vida. Isso por que, o avarento,
não conhece a linguagem do desejo, ele é regido, pela necessidade.
Ele não usa o dinheiro para viabilizar seus desejos, como deve ser.
A possessividade é um traço forte, querer controlar tudo, persecutório,
desconfia de tudo, acha que todos querem roubar algo dele.
Não é só o dinheiro que o avarento retém, é tudo, até sua afetividade.”
A ambição é uma questão atemporal e inerente ao ser humano. O que vemos é
um consumismo desenfreado, o imediatismo das pessoas, querer a satisfação
a todo preço, não suportar a falta.
“O dinheiro se tornou um tema mais central que o sexo”, diz Adriana, “ele
é a causa de muitos transtornos emocionais.
A forma como o sujeito relaciona com o dinheiro nunca é desvinculada da
subjetividade, que é sempre inédita e particular.
A avareza e o perdularismo têm sua origem nas primeiras vivências
emocionais. Acho interessante pensar em como o psicanalista alemão Erich
Fromm, define a avareza: “Buraco sem fundo, que exaure a pessoa num
esforço infinito, para satisfazer uma necessidade, sem nunca atingir o estado
de satisfação”.
Crianças
A infância humana é cheia de vontades e dependência, as necessidades são
sempre urgentes e o mundo é visto como um lugar que vai gratificar ou privar
de algo.
Geralmente, as crianças que são privadas de limites sentem um intenso desejo
por algo mais.
Em vez de reconhecer isso como um problema, a família desvia a atenção para
essas necessidades emocionais e acaba enfatizando a aquisição material, o
poder, o status e o dinheiro como um substituto para esse sentimento de
carência.
Sobre as crianças, Adriana Castro atribui caráter egocêntrico.
“Ela ainda não compreende que faz parte de uma sociedade. Imagina que o
mundo gira em torno de si, tomando o eu como referência para todas as
relações e fatos.
À medida que ela vai se desenvolvendo, começa a se relacionar com o mundo
(família, escola, amigos), começa a ver o outro. Se ela manifesta atitudes de
não dividir nada, por exemplo, é importante tentar perceber o que está por traz
disso, o que está latente.
Isso aponta para uma falta. Pode ser falta de afeto, atenção ou limite.
O não é estruturante do sujeito. A criança precisa ouvir o não.
Se ela cresce sem esse limite, essa atenção pode se tornar um adulto
avarento.”
A avareza acentua ainda mais o que chamamos de ambição desenfreada.
E o efeito disso tem se alastrado em nosso meio social como uma cobiça
generalizada sem a partilha da sobra do que é abundante.
O consumista também não atinge o estado de satisfação. Não para de comprar
para ter cada vez mais. Para a psicóloga, o ter do avarento não é o ter do
consumista. “O avarento não gasta, ele acumula.
O consumista quer gastar, se esvaziar.
Penso que o que está por traz disso seja uma grande dificuldade de lidar com a
falta, com a frustração de não poder tudo”.
E conclui: “o avarento tem sofrimento psíquico e precisa falar disso.
Como cada subjetividade é única, só em um trabalho terapêutico analítico o
sujeito vai poder construir respostas à isso.
Para cada sujeito a avareza tem um significado, por estar vinculada a história
de vida da cada um. O tratamento seria buscar o que está latente, investigar as
razões conscientes e inconscientes desse comportamento.
Refletir, questionar. Acredito no processo da psicanálise.”
Faces da avareza na literatura
A avareza ultrapassou os limites da realidade e chegou até a ficção. Autores de
obras clássicas deixaram marcados em personagens memoráveis tal
característica.
E possibilitou que o tema pautasse discussões e despertasse a necessidade de
se pensar cada vez menos em nós mesmos e ainda mais em nossa
contribuição para o quadro social.
Lembrando algumas dessas obras, a primeira referência pode ser Um Conto de
Natal, de Charles Dickens, que apresenta Ebenezer Scrooge, um homem rico e
avarento que não gosta de Natal.
Na noite natalina, ele se depara com o fantasma de Jacob Marley, seu sócio,
morto há sete anos.
Essa visita e a dos fantasmas do passado, do presente e do futuro
mudam o destino de Scrooge.
A tragédia do dramaturgo inglês William Shakespeare, MacBeth, retrata o
assassinato do monarca pela conquista do trono e a eliminação de todos que
possam atrapalhar seu caminho.
A ambição pelo poder transforma e consome sua vida de forma avassaladora.
Dante Alighieri, em sua obra clássica Divina Comédia, reserva o quarto
circulo do inferno aos avarentos e aos pródigos. Como castigo, suas fortunas
se transformaram em pesos nos quais pródigos e avarentos ficam de lados
opostos empurrando um contra o outro por toda a eternidade.
Na literatura brasileira, o paraibano Ariano Suassuna critica a avareza em O
Santo e a Porca, na voz da personagem Euricão Árabe, devoto de Santo
Antônio e que esconde em sua casa uma porca cheia de dinheiro.
Durante o enredo de Suassuna, ele se questiona o tempo todo sobre o que
seria mais importante para ele: o dinheiro ou santo.
Euricão está sempre com medo de alguém roubar suas economias e desconfia
de todos.
O autor inaugural da estética naturalista, Aluísio Azevedo, em O Cortiço, narra,
dentre outras, a história de João Romão, português, bronco e avarento que
compra algumas braças de terra, com o dinheiro de Bertoleza, e alarga sua
propriedade com o passar do tempo, construindo um vasto e movimentado
cortiço.
Autora:Adriana Castro é Psicóloga e Psicanalista
Fonte:Associação Brasileira de Medicina Psicossomatica-D.F. (www.abmpdf.com)
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